Empresário escondeu preço da Covaxin em reunião no ministério

O relato da reunião foi encaminhado ao Congresso a partir de um requerimento de informação da deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
créditos: Folhapress

 

O dono da empresa brasileira que fez a intermediação da vacina indiana Covaxin escondeu, durante reunião no Ministério da Saúde, o preço do imunizante e manifestou "desconforto em informar valores", no mesmo momento em que a empresa fabricante na Índia, a Bharat Biotech, apresentava diretamente à pasta uma quantia a ser praticada: US$ 15 por dose.

A reportagem obteve um memorando de uma reunião feita em 12 de janeiro na pasta, com a participação de Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, e técnicos do ministério.

No encontro, os técnicos cobraram de Maximiano uma posição sobre o preço da vacina, uma informação que já havia sido solicitada e não fora fornecida, ainda de acordo com o memorando.
A ata registra que o empresário manifestou "desconforto em informar os valores, na medida em que os custos para desenvolver os Fases III é elevado e que poderia impactar no valor final das doses (sic)".

O relato da reunião foi encaminhado ao Congresso a partir de um requerimento de informação da deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

As suspeitas de irregularidades no contrato de compra da vacina Covaxin passaram a ser o principal foco da CPI da Covid no Senado após o jornal Folha de S.Paulo revelar, no dia 18 de junho, a existência e o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, ao MPF (Ministério Público Federal).

O servidor e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), confirmaram à CPI a mesma afirmação de pressão atípica para liberação de importação da vacina.

O congressista ainda relatou ter avisado o presidente Jair Bolsonaro sobre as suspeitas em encontro no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. O chefe do Executivo passou a ser alvo de inquérito da PGR (Procuradoria-Geral da República) sob suspeita de prevaricação.

O memorando da reunião realizada no Ministério da Saúde registra que os técnicos da pasta alertaram Maximiano que era "importante a informação do valor por dose para avançar nas negociações e que a empresa já havia se comprometido em informar o valor em reunião ocorrida previamente".

Naquele mesmo dia 12 de janeiro, o diretor-executivo da Bharat Biotech, Krishna Mohan, enviou um ofício ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, com uma oferta de vacinas, em uma tratativa direta e sem menção à Precisa Medicamentos.

No ofício, Krishna informou o valor da dose, US$ 15, e disse que 12 milhões de vacinas poderiam ser entregues até 31 de março, desde que o ministério desse o "ok" para o negócio até 15 de janeiro. Já seriam providenciados 2 milhões de doses até 31 de janeiro, segundo o ofício do executivo do laboratório indiano.

Com a intermediação da Precisa, o contrato foi assinado em 25 de fevereiro; o preço cobrado foram os mesmos US$ 15, tornando a Covaxin a mais cara vacina contra Covid adquirida pelo governo federal. Até agora, nenhuma dose do imunizante foi entregue, em desrespeito ao contrato.

Por duas vezes, a Precisa tentou garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões, o que também não consta em contrato. O depósito não foi efetivado.

O valor total do contrato, para 20 milhões de doses, é de R$ 1,61 bilhão. O dinheiro está reservado no Orçamento desde 22 de fevereiro, com a emissão de uma nota de empenho, que autoriza o gasto.

No dia 29 de junho, em meio às suspeitas de irregularidades que rondam o negócio, o governo Bolsonaro decidiu suspender o contrato.

Autora do requerimento de informações, a deputada Adriana Ventura afirma que as informações desencontradas sobre valores do imunizante mostram que faltam explicações para o negócio.
"Em nenhuma negociação, principalmente envolvendo bilhões de reais, deve haver 'desconforto' para tratar de valores. O preço já estava dado na reunião anterior [US$ 10, em novembro] e esse 'desconforto' não foi empecilho para o Ministério da Saúde continuar negociando com a empresa Precisa", diz Adriana.

"Por fim, não existe nos registros das reuniões nenhuma discussão sobre o aumento do preço para US$ 15. Há muito o que explicar", afirma ela.

Ainda na reunião realizada no dia 12 de janeiro, de acordo com o memorando, Maximiano questionou os técnicos da Saúde sobre a possibilidade de alteração em uma medida provisória editada pelo governo para facilitar a importação de vacinas.

O dono da Precisa queria que a agência indiana de regulação sanitária fosse incluída no rol de órgãos reguladores internacionais que poderiam servir de base para a concessão, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de autorização excepcional e temporária de importação de vacina.

Em 3 de fevereiro, o líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado Ricardo Barros (PP-PR), apresentou uma emenda para estabelecer que insumos e vacinas aprovadas pela agência reguladora indiana (Central Drugs Standard Control Organization) obtivessem também a aprovação emergencial na Anvisa.
Essa redação da MP acabou aprovada e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Barros, segundo depoimento do deputado federal Luis Miranda, foi citado por Bolsonaro no momento em que foi feito o relato sobre supostas irregularidades envolvendo o contrato da Covaxin. O presidente atribuiu as suspeitas a seu líder na Câmara, conforme depoimento de Miranda à CPI da Covid.

Também na mesma reunião realizada em janeiro, os funcionários do Ministério da Saúde perguntaram a Maximiano sobre os registros sanitários da Covaxin. O empresário respondeu que, até aquele momento, o imunizante só tinha recebido a autorização de uso emergencial na Índia, mas que estava buscando a aprovação junto às autoridades americanas e europeias.

A CPI da Covid investiga a pressa com que o ministério celebrou o contrato com a Precisa, enquanto outras aquisições, como a da Pfizer, ocorreram em ritmo bem mais lento.
Na semana passada, o Ministério Público Federal instaurou um procedimento investigatório criminal para apurar as suspeitas de crime no contrato de compra da Covaxin.

A Polícia Federal também instaurou inquérito para investigar as suspeitas.

Maximiano foi convocado para depor na CPI. Depois de obter um habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) que lhe garantiu o direito a ficar em silêncio na comissão, ele teve o depoimento adiado. Ainda não há nova data.

A Precisa Medicamentos afirmou ter sido transparente e seguido a legislação ao negociar a Covaxin. Ela nega ter existido qualquer vantagem ou favorecimento.

"A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal", disse em nota.

 

 


COLUNISTA
Eudes Martins
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